A muitos quilómetros dali, um
vulto feminino contorcia-se freneticamente. Soltava urros nunca antes ouvidos. O seu
rosto sardento começara a iluminar-se. Agora, cada sarda brilhava com
exuberância. Sentiu um calor avassalador crescer dentro de si e quase
levitar. Ou teria levitado? De súbito, um frio glaciar apoderou-se do seu
coração, que sentiu fervilhar como se nele vivessem milhares de corpúsculos
efervescentes.
Então, uma calma imensa.
Não sentia qualquer fadiga, mas
abraçou-se a uma árvore e deixou-se dormir.
Esteve assim muito tempo. Apenas sentia
que nada voltaria a ser como antes. Sim, Teresa teve a certeza inabalável que
nunca mais voltaria à vida anterior. Soergueu-se e aspirou a neblina. Precisava
de um sinal, para iniciar a marcha. Ao longe, as montanhas azuis pareciam
querer dizer qualquer coisa. Os seus cabelos flutuavam ligeiramente, como se
fossem velas ansiosas pelo início da viagem. Lentamente, despojou-se do manto e
descalçou as sandálias. Lançou-as por uma ravina ali perto. Antes de serem
engolidas pelas névoas, pareceu-lhe que se desintegravam.
Iniciou, então, a caminhada. Serena
e determinada. Solta e presa ao fio do caminho. Não havia vereda, por isso,
deslocava-se por entre os penedos, tranquilamente, por sobre teias de musgo.
A neblina parecia não querer
levantar-se. Conseguiu divisar o voo de aves de rapina. O seu movimento
assemelhava-se ao rendilhar incessante das anciãs. Ficou a observar os seres
alados pontilhando os ares, em percursos aritméticos. Desenhavam algo, isso era
certo. Um padrão, uma forma, palavras, códigos? Ou tudo isso? Por que eram
brancas, todas as aves? Por que eram inúmeras e pareciam apenas uma?
Pensou que seria melhor ficar ali,
imóvel, perscrutando os ares. Deitou-se de costas no chão e fechou os olhos
para ver melhor. Outra vez a sensação de quase levitação.
A certa altura, os polegares dos
pés começaram a dançar no ar. Livres de peso e prenhes de embriaguez. Cada vez
mais vigorosos, arriscavam-se a levar consigo todo o corpo.
No pico mais alto da montanha
azul, adivinhou uma ténue luminescência. Baça, mortiça, irreal.
Então, compreendeu.
1 comentário:
Tens todas as mãos do mundo (e nomes) para escrever. Isto é Literatura. Da que gostamos, da que sabes construir com a beleza e leveza dos bons arquitetos. Há muito tempo que não lia nada com tanto interesse, pronto, gula, para ser rigorosa. :)
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