domingo, janeiro 22, 2006

O cinzento veio para ficar


Talvez daqui a cinco anos, o arco-íris possa romper das ramas de chumbo. Até lá, resta-nos carpir com Fernando Pessoa

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
define com perfil e ser
este fulgor baço da terra
que é Portugal a entristecer –
brilho sem luz e sem arder,
como o que o fogo-fátuo encerra.

sexta-feira, janeiro 20, 2006

Pobres por dentro e por fora?


Nada me move contra o mundo necessariamente frívolo da moda. De certa forma, a voragem incessante dos figurinos e a contínua exigência da novidade funciona como uma boa metáfora da nossa existência e particularmente dos nossos dias. Devo dizer, porém, que há certos aspectos do bem-vestir de prêt-a-porter que me chocam e chegam até a entristecer por momentos, de tal forma estampam, a um só tempo, a nossa arrogância e o nosso decadentismo.
Exemplo disso é a moda da roupa esfarrapada, rasgada, remendada, encardida e desbotada. Confesso que os novos maltrapilhos chic, envergando vestes de avultado preço, me confundem um pouco o espírito, talvez já empoeirado de conservadorismo.
Impressiona esta arrogância ocidental de simular a pobreza; é como que uma ambulante e permanente acusação “Algures, há andrajosos que passam frio e têm fome. Nós andamos assim porque é belo!”. Não consigo verdadeiramente captar a essência desta tendência. Subverter a própria moda, como fizeram os modernismos às artes plásticas, sobretudo? A moda pôr-se em causa a si própria através da ironia?
Mas como as calças e os casacos puídos e desbotados do ano passado não são como as calças e os casacos puídos e desbotados deste ano, tais peças acabarão irremediavelmente no baú ou nos contentores de ajuda para África.
Gostava de ver a cara do africano a quem o membro da Cruz Vermelha estende uma camisa rasgada e remendada: - Lá em Portugal, andam com a roupa mesmo até ao fim!...

sexta-feira, janeiro 13, 2006

Gostei


Gostei da homenagem que Manuel Alegre fez a Miguel Torga na aldeia-natal do imorredouro poeta – S. Martinho de Anta . Gostei de quando o candidato Alegre o considerou seu pai espiritual e lembrou que recorria à leitura da sua poesia, sempre que, durante o exílio na Argélia, pretendia regressar a Portugal.
Gostei dessa romaria simbólica ao rude solo transmontano, lá onde a urze tece a luta da sobrevivência e o iberismo bebe da ancestralidade telúrica, longe do bulício das cidades e perto do âmago da existência humana primordial.
Gostei de pensar que poderíamos ter como presidente um homem de cultura, em vez de um tecnocrata; um homem de palavras, em vez de um homem de áridos algarismos, que mal disfarça uma vaidade serôdia e professoral.
Gostei de ver Alegre semeando a esperança no ansioso húmus lusitano.

terça-feira, janeiro 10, 2006

Parco com as Parcas

Vultos esquivos tentam roubar-me a nitidez
De saber que talvez venhas
Outra vez

Delicio-me com a sua agonia, espectros surpresos
Da mesmice da manhã
Outra vez

Arrumo agora as folhas onde gravámos a indiferença
Que votávamos ao tempo
Sempre