sexta-feira, agosto 25, 2006

Zé Mário


Carrega a dor da utopia. Mas não se conforma no rótulo de "lírico" de esquerda. Destila o desencanto e às vezes o ressentimento por um mundo que caminha para os antípodas do seu sonho. Mas tem uma obra singularíssima e belíssimas músicas, algumas das quais se podem escutar em http://www.2020mm.com/ecards/JoseMarioBranco/. Destaco o tocante "Do que um Homem é Capaz" ou o desconcertante "O Papão do Anão". A maior parte do álbum Resistir é Vencer assume contornos de canção de combate, a dita "música de intervenção". Ouça-se a "Canção dos Despedidos":

Nós somos lixo
Já não há gente, há só lixo
Dispensável, descartável, reciclável

O artista define o seu lugar ao lado do povo, fazendo parte dele, não abdicando da sua condição.

E o tempo a passar
E eu a cantar
Eu também faço parte do lixo

É inegável a presença de alguns "tiques" muito datados e talvez uma certa ingenuidade na análise social - será tudo tão simples?
Porém, não esqueço a coerência, a verticalidade e a sensibilidade do autor que um dia me pôs a chorar com uma interpretação da sua canção "Eu vim de longe". Somos todos companheiros nesta caminhada onde "Há que humanizar a humanidade" (Canção dos despedidos).

quinta-feira, agosto 17, 2006


É certo que, apesar de nunca estar só a maior parte do tempo, o homem vive e morre sozinho consigo mesmo. A solidão pode ser uma dor funda quando se é um animal gregário. Cada qual se revê nos seus pares, quer por identificação, quer por oposição, quer ainda – e sobretudo – pela interacção. Mesmo os que optam pelo isolamento o fazem com a consciência de estarem a quebrar a ordem natural.

Numa recente visita ao Zoo da Maia, chocou-me particularmente a situação do único orangotango existente: imóvel, contemplativo, parado na sua tristeza. O enorme primata permanece sentado, de frente para os visitantes, encostado ao espesso vidro, já não com qualquer tom acusatório no olhar, mas como uma efígie ao desalento. Por vezes, estica o braço e consegue colocar a gigantesca mão por cima do vidro, no pequeno espaço aberto. E lá no alto, em contraste com o vidro embaciado, paira essa mão como uma garrafa lançada ao mar. Essa mão que nos une.

domingo, agosto 13, 2006

Revelação


Está na edição de hoje, domingo, do Público. Deixou-me boquiaberto. O Nobel da Literatura, Gunter Grass, confessou, aos 78 anos, que fez parte das famigeradas SS. A mim, que dele só li O Meu Século - um retrato da Alemanha do século XX, em que cada capítulo corresponde a um ano - , esta notícia deixou-me razoavelmente chocado. Um escritor que fez a sua carreira exorcizando o nazismo deveria ter revelado este segredo há mais tempo. Mas também é fácil criticar... quantos de nós estariam dispostos a escancarar um esqueleto no armário deste tamanho?

terça-feira, agosto 08, 2006

Mais canais temáticos


Antes do advento das televisões privadas, havia só dois canais generalistas, um deles com maior propensão cultural e para as ditas "modalidades", ou seja, os desportos que o futebol esmaga com a sua preponderância. Depois, chegaram mais duas estações, também elas genaralistas, e pensámos que teríamos direito a maior diversidade. Na verdade, passaram todas a emitir o mesmo tipo de programa à mesma hora, pois todas elas se baseiam em estudos de mercado e na percepção dos segmentos de público-alvo a atingir em dado momento. Anos depois, voltamos a ter duas televisões generalistas e do Estado, a que se somam dois canais temáticos de telenovelas e fofoquices que dão pelo nome de SIC e de TVI, ou melhor, canal Flori-Brasil e Morangada com Todos. Mais uma prova que a liberalização e a diversidade de ofertas nem sempre redunda numa maior satisfação do público e, sobretudo, num acréscimo de qualidade.

quinta-feira, agosto 03, 2006

Sentada














Sentada estava ela a flor do campo
Repousando numa memória triste
Fragas dum tempo que já não existe
Vendo a alma fugir num pirilampo

Sentada estava ela a voz da seara
Navegando entre as raízes do fogo
Que sacraliza as pedras desse jogo
De tapas o rosto e eu escondo a cara

Sentado estava eu pensando nela
Vendo-a na planura alentejana
Erguer-se em miragem que não engana
Lançar-se contra os vidros da janela

Sentada estavas tu cega e distante
Tricotando segredos tumulares
Cada falésia que sobrevoares
São feridas vivas deste gigante

Mito (Aljezur, 01-08-06)

terça-feira, agosto 01, 2006

Silly season


Coisas que se ouvem no quarto de banho do parque de campismo:

- Papá, papá! Onde estás? Papá!
- Estou aqui, filho!
- Onde estás papá?
- Estou na casa de banho, filho, agora não posso!
- Papá, trouxeste a minha escova de dentes!
- Não trouxe nada, filho!
- Trouxeste, trouxeste! Essa é minha!
- Não é nada, não chateies!
- Mas a mamã disse que é minha!
- Não é nada, porra!
- Ó papá, mas eu já lavei uma vez com essa escova do Benfica!
- É minha e acabou!
- Vou dizer à mamã! Buáááááá´!