quarta-feira, novembro 16, 2005

Sondagens Expressamente para si


Para vermos até que ponto vai a isenção do Expresso, que, confesso em tempos também ter comprado, escolhi uma pérola da nobre arte de não morder na mão que nos dá de comer ou de como ser alegremente a voz do dono. Ou de como a manipulação de imagem também pode andar em pezinhos de lã. Mensagens subliminares? Ná.

Vale a pena analisar com atenção a montagem com que o dito semanário acompanhou a divulgação de mais uma sondagem no domingo passado. Se a diferença relativa de tamanhos se pode justificar como sendo um exercício de estilo, uma vez que a desproporcionalidade dos resultados previstos é notória, o mesmo não se pode dizer das posturas com que o “ilustrador” organizou a composição. Vejamos:
JERÓNIMO DE SOUSA: acena a uma multidão imaginária, numa não muito subtil colagem à célebre cena em que, com efeito, o candidato se ridicularizou em pezinho de dança; o gesto também sugere um “adeus” à eleição, talvez mesmo uma desistência.
FRANCISCO LOUÇÃ: de longe o mais caricaturado (recortado), surge de braços descaídos, ligeiramente distorcido em ondulação, todo ele displicência e despropósito;
MANUEL ALEGRE: (de costas voltadas para Soares, claro!) aparece com o ar de quem não sabe muito bem por que está ali nem como o tramaram…
MÁRIO SOARES: Não, não é pose de senador; de mãos nos bolsos, aparenta ser um daqueles velhotes reformados que, elegantes, se pavoneiam pelas tertúlias de pastelaria.


Olhando frontalmente para nós, de olhar confiante e resoluto, caminhando, decidido, para uma amanhã que canta… quem é?

O HOMEM DA REGISCONTA! Lembram-se?

“Aquela Máquina!”

sábado, novembro 12, 2005

Consumismo pavloviano

Em cima da secretária tenho um sobrescrito onde se destacam as ameaçadoras palavras a negro “ÚLTIMO AVISO PARA…”, seguidas do meu nome. Há ainda um dístico a vermelho que assegura tratar-se de uma “Mensagem Urgente”. Não o abro.
Talvez seja o décimo idêntico que enviam. Sei o que contém. Vários folhetos coloridos e personalizados – todos têm o meu nome – a propor-me um produto em condições iniciais muito vantajosas, para já não falar de dois artigos de bónus, um dos quais só concedido se responder nos dez dias seguintes. Seguintes a quê, perguntam bem, se a correspondência não tem data e é repetidamente enviada? Esoterismo, com certeza!
Enfim, nada de novo, um produto de marketing bem ao estilo americano, fazendo lembrar o timbre das Selecções ou até mesmo do Círculo de Leitores, cujo valor de ofertas, sorteios e prémios é tão avultado que já ninguém compra os livros pelos livros. Livros que (nunca é demais escrever a palavra livros), graças a tanta despesa promocional, acabam por atingir preços exorbitantes, bem longe da filosofia de um clube de leitores e do bolso de muitos deles.
Trata-se da velha parafernália publicitária abusiva, insidiosa, imbecilizadora do consumidor. Até aqui, não há surpresas; para mim, o escândalo é o folheto ser da Proteste, a tentar “enfiar-me” assinatura de revistas de defesa dos direitos do consumidor.
Para quem não gosta de nabiças, junta-se uns belos rojões e empurra-se o prato.
Mas, no fim, as nabiças ficam no prato.

terça-feira, novembro 08, 2005

Personificação?

Às vezes, divirto-me a pensar em como nos enganamos por tudo ver do nosso pequeno e estreito ponto de vista humano. Em como a nossa perspectiva, necessariamente redutora, nos pode obnubilar o entendimento. Por exemplo, a Personificação. Sim, a bendita e consagrada Personificação (nunca mais largo esta adjectivação queirosiana).
Sempre que se atribui a animais características que se nos afiguram humanas, está de se lhe chamar Personificação. Partimos da assunção de que essas características são humanas e de que as projectamos, por via de muita imaginação ou magnânima generosidade, noutros seres do espectro animal. Inúmeras vezes, me ocorre que muito se poderá ter passado inversamente.

Curioso por natureza, o homem primitivo observava em seu redor, com maior ou menor perspicácia. Quanto não terá aprendido com outros animais? Terá aprendido a armazenar comida ou a cultivar com as formigas? Terá aprendido a caçar em grupo com as hienas? Terá aprendido a tecer com essas habilidosas aves que dão pelo nome de tecelões? Terá aprendido a abrir mexilhões com as lontras?

O meu cão tem dez anos. Durante muitos anos, estive longe dele e quase o negligenciei quando tive melhor oportunidade de o aconchegar. Hoje, vive de novo comigo e mostra a mesma docilidade, a mesma disponibilidade e o mesmo afecto EXCLUSIVO que me dedicou desde o primeiro momento em que o recolhi e lhe prodigalizei um lar. Todos os dias me prova que as palavras podem estar a mais e ser de menos.
De uma coisa tenho a certeza, não foi de dentro de si que nasceu, não foi em si que a encontrou, foi no cão que o homem aprendeu a lealdade!

segunda-feira, novembro 07, 2005

O despertar das raivas

Era um fenómeno relativamente conhecido e previsto por diversos pensadores e analistas: o da insurreição das massas suburbanas. E não se pense que o fenómeno ficará por França ou mesmo pela Europa, acompanhará o emaranhado de todas as polis do mundo dito desenvolvido. Lembram-se de Los Angeles?
A verdade é que vivemos num mundo a muitas velocidades e com grandes clivagens sociais. Os donos do sistema presumem que se pode manter eternamente uma multidão de frustrados em pousio, mesmo que à custa de dispendiosos subsídios e apoios de vária espécie. Crerão talvez que o turbilhão consumista lhe vá alienando a insatisfação, quando, com efeito, a vai alimentando, como se fora um dragão a hibernar.
A realidade vem mostrar que cada ser humano não necessita apenas de alimentação e abrigo (e distracção no próprio abrigo); precisa que a sua vida tenha um sentido; carece de não se sentir sacudido para as margens. E é nas “margens” da grande urbe que o vandalismo se inicia.
Andaremos mal se acreditarmos estar perante mero vandalismo; os actos violentos de França traduzem igualmente uma revolta e uma crispação com motivações várias, tantas vezes alimentadas pelas chamadas correntes de contracultura ou subcultura. A raiva tem muitos rostos e muitas razões, mas, um dia, pode sentir o apelo do “bando” e sair à rua para participar no grande ritual da insurreição.
Com pão e circo, Roma se manteve muitos e muitos anos. Até que um dia, as hordas de bárbaros fizeram desmoronar um império já demasiado apodrecido. A velha Europa, sua herdeira, debate-se hoje com tremendas pressões quer externas (veja-se Espanha e o norte de África), quer internas; em breve, mais uma vez, o velho continente vai ser posto à prova. Está complicada a manutenção da supremacia do homo occidentalis.

quarta-feira, novembro 02, 2005

Tempos novos, políticos velhos

Soares alimenta-se da vaidade de ser Soares;
Cavaco rumina um desejo muito soarista de corporizar um ideal messiânico;
Louçã continua a lançar aos ventos crispadas interpelações moralistas;
Jerónimo aposta certamente nos seus dotes de dançarino para rodopiar na desistência;
Alegre, o mais jovem, deixa o sangue fluir nas veias e mergulha no sonho, que é a vida…
Pelo Alegre é que vamos!

terça-feira, novembro 01, 2005

Eu não acredito em bruxas, pero que las hay, las hay

Por mais inócua que possa parecer a adopção de tradições alheias, parece-me de péssimo gosto esta palhaçada do Halloween. Por um motivo muito simples, trata-se da véspera de um dia em que cada um visita e fala com os seus mortos, do dia de todos os santos e de todos os mortos. (Ficam os outros trezentos e sessenta e quatro para todos os vivos, enquanto pensam que ainda não estão todos mortos).
Irritante é ouvir ainda os ecos do dia anterior, de um corrupio folclórico de bruxinhas, vassouras e morcegos, de abóboras de interior bruxuleante, enfim, de uma atmosfera ludo-comercial de imbecilização das massas.

Febris de internacionalização, enfermos de postiça globalização, cá vamos andando à procura de máscaras que nos sirvam.

BURRO quer BODE

Falácias. Raciocínios aparentemente válidos, ardilosos estratagemas da predilecção dos sofistas.
É com armas de arremesso deste género que se vai vilipendiando a classe docente, que, por norma e civilidade, não costuma responder à letra. Uma das falácias mais venenosas, li-a, há dias, num qualquer blog. Rezava mais ou menos assim: “Se os resultados escolares são fracos, é porque os professores são incompetentes e, como tal, devemos livrar-nos deles, que tanto dinheiro gastam ao Estado”.
Deverão as pessoas que acreditam neste belíssimo raciocínio não esquecer que o dito processo de ensino / aprendizagem se desenvolve em torno de várias factores e condicionantes, em que o professor é apenas uma entre diversas varáveis. Será pertinente elencar algumas: o sistema de ensino, os programas, as condições materiais da escola, o enquadramento sócio-cultural do aluno, o percurso do estudante e a sua motivação para a aprendizagem. É quase impossível ensinar alguém que não queira aprender.
Quem repete esta falácia, deverá estar igualmente disposto a livrar-se dos médicos, pois, se em Portugal, só os génios o podem ser (veja-se as médias de entrada no curso de Medicina), então, a única explicação é serem, obviamente, incompetentes. Porquê? Pelo facto de continuar a haver muitos doentes e nem sequer serem capazes de fazer com a maioria dos fumadores larguem o vício.

Não enjeitando as responsabilidades que lhe assistem, o professor não pode continuar a desempenhar o pouco glorioso papel de bode expiatório.